Resenha por Renato Casimiro
Ano da Publicação 2021
Autores:
Fernando Bonassi.
Editora:
Editora Record.
Depois de longo afastamento social, reencontrar amigos é um grande acontecimento, se for uma amiga querida, ainda maior. Tínhamos muito do que falar, de livros e leituras, sobretudo, regando palavras com o salutar líquido abençoado por certa Deusa suméria. Dentre outros, lembramos de Fernando Bonassi e seu último romance, Degeneração (2021). Em tempos que todos temos dificuldade de atravessar certos campos espinhosos, Bonassi o faz sem melindres. Ao contrário, sua narrativa é sincera e franca. Foi assim quando em Luxúria (2015) enfrentou as contradições de um projeto de Estado social que prioriza o consumo individual em detrimento das melhorias dos bens coletivos, como transporte público, saúde e educação.
Antes, em Prova contrária (2003) ele já havia apontado sua pena aguda para a lei que reconhece como mortas as pessoas desaparecidas em razão da resistência à ditadura cívico-militar instaurada no país em 1964, pretendendo, assim, por uma pedra sobre os crimes praticados pelo Estado brasileiro. Bonassi escancara a insuficiência desta tentativa de apagamento da história de militantes políticos e de seus corpos abatidos em circunstâncias jamais esclarecidas: “o livro gira em torno de uma lacuna que não pode ser preenchida por determinações institucionais, que impede que se enterre o passado, que se siga em frente”, diz esta minha amiga. (Figueiredo, V. L. F. de. (2017). Ficção e resistência na cultura de arquivo. MATRIZES, 11 (3), 57-70. https://doi.org/10.11606/issn.1982-8160.v11i3p57-70).
Em Degeneração é este passado transformado em zumbi que volta a nos assombrar. O livro narra a saga de um filho que precisa liberar o corpo do pai para, finalmente, incinerá-lo, na véspera do fatídico dia em que a direita fascista tem prometido o seu retorno ao centro de poder do Estado brasileiro, com a eleição do capitão Bolsonaro. Em meio aos embates com a burocracia e as precariedades de um hospital público do subúrbio paulistano, esse filho se percebe envolvido pela memória de sua infância, as estratégias de sobrevivência paterna que incluía falcatruas, humilhações, violências, delações e colaboração em sessões de tortura.
Degeneração é leitura fundamental para se entender uma sociedade periférica açoitada pela violência, pelo medo e pelas incertezas. Mais uma vez, Fernando Bonassi tem a coragem de apontar as fragilidades da nossa democracia, nossos equívocos e hesitações que permitiram o retorno da extrema direita e de milícias armadas ao poder, elegendo como presidente da República um político medíocre, simpatizante de práticas que atentam contra a inteligência e a sensibilidade humanas.