Contos

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A varanda

Vê o prédio daquela esquina? Havia uma grade na varanda do terceiro andar, no apartamento onde eu morava com ele. Se não fosse ela, hoje eu não seria o que sou, talvez nem mesmo estivesse aqui com você.

Não se fazem mais prédios como esse, sem elevadores, pé direito muito alto, poucos cômodos largos, varandas amplas com muros de alvenaria nas laterais e, ao centro, convidando a observar esta rua de paralelepípedos tortos, uma grade de ferro decorada. Os ornamentos dessa grade remetiam a corações disformes, derretidos na forja. Havia
flores também. Mas a estilização das flores apenas contribuía para ampliar a impressão de um desenho macabro.

Quem passava em frente ao prédio o julgava distinto, símbolo de outros tempos. Muitos lamentavam a deterioração, pelos anos, chuva, vento, falta de cuidado e descaso dos moradores. Talvez a pintura devesse ter sido refeita. Ele não se dedicou a isso, muito menos eu.

A maior parte da minha vida foi naquele apartamento, com ele. Provavelmente com minha mãe na primeira infância, não lembro. Havia uma foto dela em cima do aparador sem que seus traços me revelassem algum sentimento. A foto não me fazia companhia nem era capaz de cuidar de mim. Tampouco o fato de vislumbrar outra possibilidade de existência, uma rota perdida, me servia de consolo. Talvez até ampliasse meus sentimentos mórbidos. Aquela imagem me cercava de perguntas. Quem era ela? Por que ele estava ao lado dela? Onde se perdera aquela criança protegida pelos dois, tão parecida comigo? Qual era a distância entre a família da foto e as circunstâncias do meu existir?

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