Resenhas

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A visão das plantas

Resenha por Renato Casimiro
Ano da Publicação 2021
Autores:
Djaimilia Pereira de Almeida.
Editora:
Todavia.

Há autores que depois de lidos não mais nos surpreende, estes são coerentes, possuem estilo próprio e, no limite, se tornam previsíveis. Outros há que não conseguem vencer o desafio do segundo livro, encabulam ante tamanha responsabilidade, sobretudo se alcançaram na estreia algum sucesso. Quero falar, no entanto, de Djaimilia Pereira de Almeida. Quando a li pela primeira vez logo percebi que tinha estilo, uma escrita fluente, inteligente, perspicaz, crítica e com dose medida de humor. Esse Cabelo: A tragicomédia de um cabelo crespo que cruza fronteiras (2017) é sem dúvida surpreendente. Nele a narradora Mila nasceu em Luanda, sua mãe é negra angolana e o pai branco português. Quando vai viver em Lisboa, seu cabelo de cachos indomáveis se torna protagonista de uma história tensionada pelo confronto de duas tradições, europeia e africana. Sem abrir mão de temas sobre racismo, feminismo, dominação colonial, afirmação identitária, Esse cabelo acrescenta, além de talento, um olhar próprio ao já desgastados (no meu entender) romance pós-colonial, narrativas identitárias e escritas de si.

Cheguei assim a seu segundo romance; Luanda, Lisboa, Paraíso (2019). Aqui a mestria da autora retoma o desigual diálogo entre dois mundos, revelando o quanto de um existe no outro e o tanto que persiste de fascínio e desencanto, cumplicidade e abandono, nostalgia e esquecimentos e, sobretudo, o quanto de humanidade resiste naqueles que se dispõem ao diálogo. Neste belo livro a autora dá mostras de sua capacidade de compreensão do outro, suas contradições e até mesmo suas deformações, muitas delas consequentes de angústias, desesperos e pavores.

Em A visão das plantas (2021), no entanto, essa capacidade vai ser desafiada por um homem que carrega um passado de egoísmo, brutalidade, violência e desprezo. Celestino é seu nome, um mercador de escravos envelhecido que retorna à aldeia onde nasceu para cultivar um jardim no quintal da casa onde cresceu. Djaimilia Pereira de Almeida recorre a todo o seu arsenal poético e ao encantamento das palavras, para descobrir neste personagem uma humanidade soterrada por inúmeros cadáveres. Djaimilia parece amar tantos os seres de sua criação que é capaz de nos fazer tentar compreender um Celestino, alguém de tal forma infame que mesmo as flores que cultiva em seu jardim não seriam capazes de emprestar alguma dignidade a sua abominável existência. E afinal, o que é a literatura se não o esforço de compreender o outro: aqueles que amamos, os que desconhecemos e os que preferíamos que sequer existissem?

 

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